
Agosto de 2010 – tracei meu primeiro objetivo como corredor: completar bem a Corrida de São Silvestre. Consegui no dia 31 de dezembro de 2010.
Janeiro de 2011 – empolgado por aumentar as distâncias, traçei o segundo objetivo: completar bem uma Meia Maratona (21k). Fiz duas, inclusive uma no RJ, além da Corrida de 25k na Maratona de São Paulo.
Agosto de 2011 – por um problema no joelho, tive que diminuir o ritmo, mas não reduzi a velocidade. Tracei como objetivo fazer 10k em menos de 50 minutos. Consegui isso em novembro de 2011.
Quando 2012 começou, eu precisava de um novo objetivo. Algo que me animasse, desafiasse e motivasse. Algo que me tirasse da cama às 5h da manhã. Algo que me levasse para a academia, me obrigasse a comer melhor e manter meus cuidados com a saúde. Seria também algo que, mais uma vez, me faria perder festas, baladas e saídas com amigos. Não é fácil abrir mão de tudo isso. Então tinha que ser algo para realmente valer a pena.
Através do Luiz Zilli, meu primeiro treinador, professor e mestre nas corridas, surgiu a Patagonia Run. A E-Corpus já estava com tudo programado e eu me intrometi de última hora. Tive três meses para fazer a preparação específica da prova. Não era pouca coisa: seria minha primeira corrida de montanha, meu retorno aos 21k, debaixo de muito frio, com alguma altitude, fora do Brasil, etc… Mas teria outros pontos positivos, inclusive vários que só descobri lá.

Sorriso congelado pelo frio
Após os três meses de preparação, cheguei em San Martín de los Andes na noite de sexta-feira. Dormi e parti ansioso para o desafio. O primeiro obstáculo foi o frio. Arrisquei sair do chalé antes de amanhecer, só para sentir o drama. Fiquei assustado e cogitei correr de calça e jaqueta, mas desisti. E acertei: o sol chegou, o vento diminuiu e a temperatura aumentou. Bastavam três camisetas, manguito, toca, luva e short para se proteger. “Só” isso.
Era a hora de ver se realmente valeu a pena. Era a hora de mostrar que eu podia. A largada foi empolgante, com boas músicas e ótima companhia. Mas o maior desafio veio logo depois: o começo da corrida foi assustador. Eu já tinha estudado o mapa de altimetria, mas mesmo assim fiquei surpreso. Com duas subidas intermináveis no 3º e no 6º quilômetro, as dores logo se apresentaram. E elas vieram rápidas, intrometidas e incovenientes. Todos andavam, era impossível correr, mas mesmo assim as pernas doíam demais. “Se for assim o tempo todo, não vou aguentar”, pensei.
Não era. Passado o inferno, logo lembrei porque eu iria aguentar até o fim: no topo da montanha, surgiu o Paraíso, pois vi as primeiras paisagens impressionantes. A bateria da minha câmera fotográfica acabou rápido, mas pouco importa. Nem as fotos conseguem descrever o quão bonito é ver aquilo de perto. Natureza por todos lados, altas montanhas, todos tipos de vegatação, com sol e neve ao fundo. Por que não ficar ali? Não seria melhor parar, relaxar, respirar, admirar e aproveitar?
Não. Jamais. Parar era uma tentação, mas não uma opção. Até porque logo vieram as primeiras descidas, onde a corrida começou de verdade. O primeiro impulso foi de deixar o corpo cair e acelerar para recuperar o tempo perdido nas subidas. Mas logo veio um alerta: um corredor caiu na minha frente. Ele vinha rápido demais, escorregou e caiu de bunda. Foi apenas um susto e uma lição, porque ele se levantou rápido e continuou na minha frente. Deve estar com dores no quadril até hoje, mas segue a corrida…
Outro obstáculo comum eram os riachos. Entre uma subida e outra, tinham trechos em que era preciso pisar em pedras para não encharcar o tênis. Mas eu não consegui: a água gostou tanto do meu tênis novo que quis ficar com um deles. Afundei o pé e levantei sem nada além da meia. Quando olhei para trás, só vi um cadarço laranja. Levantei, tirei e calcei. Pé quente, água fria, nada agradável. Mas isso era muito pouco para me atrapalhar. Fui embora…

10, 11, 12, 13, 14, 15 quilômetros… a paisagem mudava demais a cada metro, ficava cada vez mais bonita e só fazia eu me sentir melhor. Estava bem demais quando passei no último ponto de hidratação. Encontrei meu treinador Zilli e uma surpreendente notícia: eu era o primeiro da E-Corpus a passar ali. Não esperava isso, tanto que logo vieram mais dois companheiros na cola. Seguimos juntos enquanto deu. Mas o Cassio começou a sentir dores. O Roque era o melhor dos três, mas torceu o tornozelo na minha frente. Foi uma sacanagem. Pouco pude ajudar e segui correndo…
Meu problema também viria logo. Surgiram algumas contrações na panturrilha direita. Eram indícios de cãibras que estavam por chegar. Bastava um movimento mais estranho e eu sentia a perna puxar. Reduzi a velocidade mesmo nas descidas. Depois que saímos das montanhas, já no quilômetro final, ainda não tinha certeza de que iria completar a prova. Os princípios de cãibra estavam cada vez mais frequentes e agora também na outra perna. Mas era preciso insistir. Reduzir e insistir.
E então veio a reta final e, junto com ela, a certeza de que eu completaria a corrida. Afinal, mesmo se faltasse perna, eu viraria de ponta-cabeça e alcançaria “la meta”. Porque a emoção de ver a linha de chegada era forte demais. Fernando, um amigo que completou pouco depois, chorou ao ver aquela cena. Confesso que cheguei perto disso. Mas o sorriso foi maior que as lágrimas. Nunca tinha visto tanta gente apoiando nos metros finais. Eram muitos aplausos, vibração, energia, sorrisos, apoio e reconhecimento. Não era possível que eu ia ter uma cãibra ali, na frente de todo mundo. Não tive. Cruzei a linha de chegada depois de 2 horas e 47 minutos. Foi o melhor tempo da E-Corpus nos 21km. Mas são números que pouco importam. Na hora nem olhei para o cronômetro. Só queria comemorar por ter completado, me superado e por tudo que aprendi.
Fiquei próximo da linha de chegada por um longo tempo. Foi possível ver em outros rostos a mesma emoção que eu senti. É uma sensação única para qualquer um. Melhor ainda para o vencedor dos 100km, que eu encontrei depois da chegada. Ele tinha largado de madrugada, sob temperatura negativa, e completou essa prova maluca em cerca de 12 horas. Estava quebrado, com dificuldades para andar, mas com sorriso no rosto, tranquilo, sereno, feliz… isso chama-se sensação de dever cumprido. Não fizemos 100km, mas vi essa sensação no rosto de todos da E-Corpus. Um a um, todos chegaram, completaram bem e atingiram seus objetivos. Comemoramos juntos à noite e merecemos cada pizza comida, cada pão, cada vinho e cerveja.
Depois da festa, coloquei a cabeça no travesseiro e veio uma última preocupação. “E agora? Qual vai ser o próximo objetivo?”. Não tenho a resposta ainda. Mas tenho uma certeza: eu vou conseguir. A Patagonia me mandou essa mensagem: EU POSSO TUDO. Se eu cheguei até lá, EU POSSO TUDO. Que seja uma lição não só para a corrida, mas para a vida. E que seja uma lição não só para mim, mas para todos.

Eu pude. Eu posso. Todos podemos
Obs: esse ainda é um blog de futebol. Voltarei com a programação normal em breve.
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